quinta-feira, 1 de abril de 2010

"Sem ter pra onde ir, correu. O mais rápido e mais distante que pôde.
Não teve tempo de se olhar uma última vez no espelho. Não teve tempo de sequer lhe olhar uma última vez.
Quando se deu conta, estava longe, só.
Só, não por estar sem ninguém, mas por estar no meio de tantos, sem ter quem lhe desse a mão, como um dia, esse lhe fizera.
Alguém que lhe fizesse dirigir sem destino e sem pressa durante a noite. Alguém que lhe fizesse sorrir por bobeiras e por caretinhas feitas no vão das mãos, fora do alcance de olhos curiosos. Alguém que ficasse feliz em ter fotos dos pares de pernas, pés e tênis jogados num terminal de ônibus.
Enfim, correu. Com todo aquele filme passando pela sua mente, repetidamente, incessantemente.
Lembrava de tudo, desde o início. Primeira conversa. Primeira vez que se viram. Primeira vez que caminharam longamente madrugada à dentro. Primeira vez que viu seu corpo quase que sendo levado pelo ritmo de músicas agitadas em câmera lenta.
E tudo ia passando. Cada passo que dava, mais memórias ressurgiam.
Lembrou também, da primeira vez que lhe penteou os cabelos com um estilo diferente. Lembrou do dia, que sentados numa árvore, tiraram fotos, jogaram conversa fora, e seus olhares se prometeram um ao outro pra sempre.
E, ao lembrar disso, se sentiu sem forças, nem pra correr mais. Parou.
Relembrou tudo, uma última vez. Respirou fundo.
Lágrimas escorreram. Refletiu.
Viu que isso tudo que os aconteceu, pode não ter sido nada, como pode ter sido tudo, por um instante. Viu que se cegou, se omitiu e se entregou demais em virtude da felicidade alheia.
Sentou. Olhou para o lado. Um antiquário. Um espelho, daqueles de corpo inteiro, refletia a meia luz de um fim de tarde. Levantou-se. Ia em direção ao espelho não enxergando nada. Bem rente a face do espelho, lá estava. A falta do reflexo. Não se via, nem entendia o motivo de tal.
Só via o passado. Mãos dadas. Futuro planejado. Fotos tiradas. Momentos guardados.
Chorou mais uma vez. Agora de desespero. Não sentia mais nada, não pensava em mais nada. Nada relacionado a si.
Gritou. Chorou. Gritou novamente. Dessa vez, uma mão se levantou. Cacos no chão. Sangue escorrendo. Tudo parecia escorrer pelo vão dos dedos.
Súbitamente, um suspiro fundo. Recuperou os sentidos. Não a razão. Mas se levantou.
Olhou ao redor. Só viu o Sol se despedindo. Até o Sol, lhe deixara naquele momento.
Foi quando percebeu. O Sol, não deixava nunca. Nem lhe deixava, nem deixava ninguém.
Se acomodou próximo a uma árvore de pequena copa. A Lua subiu, as estrelas 'acenderam'.
Naquela noite, não dormiu. Lembrou de tudo. No final, só restariam lembranças mesmo. Pensou mais uma vez em tudo. Decidiu voltar.
Enquanto voltava, observava tudo. Casais passeando juntos. Mães com seus filhos a passear. Senhores de idade jogando gamão na praça serena. O carteiro cumprindo sua rotina numa manhã de outono. Tudo.
Ainda guarda a pureza e a sinceridade daquele amor no peito. Mas não o grita mais. Talvez morrerá dentro de si. Talvez aflore novamente. Talvez tenha sido bobagem. Talvez tenha sido real. Não sabe. Sabe de si. Mas não sabe.
Fingindo que nada disso tinha acontecido. Retomou seus passos na direção de seus sonhos. De seu mundo novamente. Cada passo era uma partícula desse amor que caía, e antes mesmo de chegar ao chão, o vento a levava ao alto, junto aos pássaros, às nuvens, ao céu. Onde lá, esperaria pelas outras, para formarem uma lembrança eterna do que passou.
Não desejou que fosse assim. Não queria que fosse assim. Apenas foi. Sem chance de se explicar. Sem chance de tentar se explicar. Apenas foi. Como muitas coisas haviam sido, ido.
Mas uma coisa, ainda guarda pra si. Mesmo sem essas pequeninas partes caídas, ainda tinha a pureza, o gosto da pureza daquele beijo, daquele abraço, daquele amor.
Não lutaria mais. Levantara a bandeira branca. Desistiu. Se entregou à realidade.
Mas, o sonho ainda dormia, calmo, leve, puro, como uma manhã dominical.
Descansava ao som da batida de seu coração, junto ao seu coração. Ileso. Longe de quaisquer olhos curiosos.
Esses olhos, que muitos deles, não tiveram amor igual, não sentiram nem vivenciaram nada na mesma proporção; esses olhos que invejavam tal sensação. Segurança, tranquilidade, paz, liberdade, mesmo estando com alguém, livre.
Lá, ficou, fica e ficará. Pois está tranquilo, calmo. É puro, sincero. Intocável, imperecível."

Um comentário:

  1. Muito bom o texto .. mas não deixe q emoções ruins te tomem há sempre um lado bom em tudo...

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